A combinação
entre passadas extremamente lentas e a teimosia das pernas em completar o
caminho para casa – por conta das dores em cada simples movimento – ilustravam
mais um insucesso de William.
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Tornou-se um
lugar-comum afirmar – com apoio nos livros e filmes sobre os vampiros – que estes
seres só podiam ser vencidos quando confrontados por crucifixos e quando
expostos ao sol. Todavia, a desvantagem mais temida pelos vampiros não era
esta. Em princípio esta fraqueza não parecia ser algo tão importante, mas seus
desdobramentos mostraram-se alarmantes futuramente. Portanto, justificáveis os
porquês da ocultação da informação pelas fontes oficiais que tratam do tema.
Dor de dente! Não há condição mais frustrante para um vampiro que apresentar problemas
na arcada dentária!
Antes de
prosseguir um pedido de desculpas deve ser feito ao leitor. Talvez aguardasse
com real interesse que o ponto vulnerável dos vampiros indicasse finalmente a origem
desta mutação (acabando assim com inúmeras versões conflitantes que relatam o
“nascimento” de tais indivíduos). Não. A dor de dente é razão muito mais
simples e banal – não merecendo nenhuma volta ao passado em produções
hollywoodianas para provar sua grandiosidade. Por certo quem já teve alguma dor
de dente discordará rapidamente do simples e banal – e estão em seus direitos.
Havendo feito o
caminho para casa – mediante um grande esforço para tolerar as dores – William
não perdeu tempo em movimentar a maçaneta e entrar em sua residência. Que o
leitor tenha pela expressão casa/residência aquilo que de fato ela é: local de
descanso e para se afastar da agitação do mundo. Em verdade, a “casa” era mesmo
um pequeno quarto para repousar. A distância entre a posição da cama, banheiro
e cozinha não era das maiores, conquanto o preço do aluguel não fosse dos
menores! (os vampiros também estão sujeitos à inflação). É preciso admitir que
o caixão de William – escondido embaixo da cama em alguns momentos – quando era
disposto devidamente sobre o chão - reduzia ainda mais o já não tão espaçoso
quarto. Não havia alternativa. A cama tinha que lá continuar para não chamar
atenção do dono da casa e o caixão (nosso estimado vampiro havia criado o
hábito de dormir nele).
No instante em
que iria retirar o caixão para se deitar notou um papel amassado no rumo da
porta. Desamassou-o. Era uma lista contendo indicações de inúmeros alugueis
atrasados e contas de manutenção básica (tais como pinturas e melhoramentos
feitos no quarto). Foi o necessário para a serenidade de William ir embora.
Começou a se lembrar de todas suas contas em atraso, da sua falta de emprego e
o essencial – dos seus dentes incapacitados para morder.
__ Será possível
que em pais de terceiro mundo até mesmo os vampiros sofrem? Não tenho dinheiro
para uma simples ida ao dentista! – resmungava consigo mesmo num tom de voz
elevado.
De fato, as
preocupações que afligiam William escapavam completamente das inquietações que
eram compartilhadas e vividas pelos seus pares mais experimentados. Ostentar
com orgulho por pertencer a uma família da nobreza de vampiros, de puro sangue
e tradicional? Iniciar profundas reflexões sobre a sua condição de imortal?
Ridicularizar os humanos por uma existência tão insegura e passageira? Estes
pensamentos estavam suspensos há algum tempo. William ocupava-se – com muito
desgosto – de questões (como direi?) práticas e incomuns (sob o ponto de vista
de um vampiro de alto gabarito: alimento e trabalho).
Avancemos estas questões práticas pelo
Trabalho. Se de fato – o mesmo – edifica o homem – ainda se desconhece se o
mesmo vale em relação aos vampiros (no caso de William – por falta de
oportunidade). William não conseguia uma ocupação já por um razoável período.
Sem maiores explicações dos entrevistadores – a dedicação do nobre vampiro –
era sempre rechaçada nas entrevistas e dinâmicas de emprego quando este
orgulhosamente comentava as suas habilidades.
__ Caço
lobisomens, bebo sangue dos seres humanos, durmo em caixões e não tenho
disponibilidade no horário para trabalhar em períodos diurnos.
A fala de
William era sempre encarada com zombarias pelos ouvintes – alguns pensavam que
era algum maníaco por ele se referir ao sangue. Não se surpreenda leitor! Em
tempos em que fatores sobrenaturais – como a existência de vampiros e outros
seres – são colocados no mesmo nível em que as demais fábulas passadas para as
crianças – não deve ser motivo de espanto a incredulidade das pessoas. Na era
em que tudo tem que ser comprovado cientificamente – só mesmo os oráculos
modernos (horóscopos) são dignos de aceitação. Em defesa de William – tenho que
argumentar que com uma carência tão grande de mão de obra especializada
encontrar outro candidato com um currículo tão variado não é tarefa muito
fácil! E seja sincero meu caro leitor – desconhecemos os momentos em que iremos
nos deparar com lobisomens (por cautela se aceita todo tipo de proteção).
Quanto à
situação mais prática por excelência – alimentação – William cuidava do
essencial (fome) com alguns serviços rápidos e temporários, todavia, ainda que
sua dor de dente piorasse a cada dia a ânsia por sangue não cedia muito pelo
contrário – aumentava proporcionalmente a sua dor dentária. Para saciar esta
fome avançava descontroladamente sobre qualquer pedestre que localizava. A
forma de cumprimentar não era a mais convencional. Fixar seus dentes – ou ao
menos tentar fazê-lo – nos pescoços das pessoas não estava em manual algum de
etiqueta!
As consequências
da abordagem de William frequentemente resultavam em questões policiais.
Explico-me. Nos séculos (e não seria exagero afirmar nos milênios anteriores)
em que a influência dos vampiros era marcante – não tinham que ter cautela
alguma – com forças policiais ou de quem fizesse às vezes este papel. Hoje não!
Como aos vampiros atualmente não detém poderes para interferir (e o pior –
nega-se que existam) vampiros que vivem sozinhos como William tem – e muito –
que evitar desavenças com as autoridades. Estando a maior parte dos dentes de
William em estado em que não suportariam uma dentada mais vigorosa – extrair
sangue alheio era altamente custoso! Com uma força de vontade conseguia William
em algumas oportunidades deixar alguns furos nos pescoços de suas vitimas, mas
não o suficiente para se alimentar devidamente de sangue. O destemido vampiro
era tomado como um simples tarado – por conta dos ataques aos pescoços – e
passou a ser exposto em retratados nas delegacias de policia como o “Tarado das
Dentadas” (fato humilhante para um vampiro de tão alto gabarito)!
De quando em
quando meu caro leitor – William se permitia a refletir sobre sua condição de
imortal. Não para orgulho, não para exibição, não por glória. E sim por uma
tentativa – falha – de adivinhação.
___ Até quando
terei que aguentar esta rotina desonrosa?
Já estava quase se deitando no caixão quando
ouviu quatro toques na porta. Aquela forma de bater era inconfundível! Era uma
edição do “Diário Vampiresco”. Este caderno de noticias para os vampiros estava
em momentos tormentosos com raríssimos assinantes. Basicamente era um jornal
normal com exceção do caderno de classificados – muito oportuno – para os
desempregados. Através deste classificado – os vampiros sabiam de antemão a
localização e distribuição geográfica dos lobisomens – sendo oferecida uma
recompensa para a captura dos mesmos (vivos ou mortos). A atividade de
caçadores de recompensa (não importa do quê) jamais envelhece com a alteração
dos séculos. É bem verdade que o “Diário Vampiresco” não era enviado com a
frequência de sempre – a cada dois meses – pois os custos para a publicação não
eram muitas vezes cobertos pelos assinantes e a principal característica do
Diário (apontar lobisomens) estava prejudicada – não havia mais tantos
lobisomens como nos tempos antigos.
Ao receber a
edição por debaixo da porta William não teve dúvidas. Foi direto para a parte
dos classificados e encontrou um alvo valioso. Por valioso o leitor deve fazer
a seguinte matemática: pagar os alugueis mais o tratamento dentário. Colocou-se
em pé. Agora os passos eram vigorosos, rápidos e determinados. A dor? Havia
passado. Conseguir algum dinheiro e duelar contra o seu inimigo natural? E
ainda há pessoas que dizem que da leitura não se tira nenhum bem imediato.
(continua)...
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Vitor Hugo
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